A síndrome de Benjamin Button
Clotilde Tavares | 1 de maio de 2009A propósito do título de post recentemente colocado aqui – Velhice fashion: uma estorinha de shopping – muita gente me questionou sobre o uso do termo velhice. Acham que eu deveria ter escrito outra coisa. Meia idade, terceira idade, melhor idade, boa idade, idade madura. O termo velhice, dizem, agride, deprecia, desagrada.
Bem, a mim, não desagrada não. Já fui menina, fui jovem, adolescente, mulher nova em idade fértil com filhos e maridos e agora, aos 61 anos, estou entrando na velhice, por que não? Penso que o importante não é manter-se jovem, mesmo porque isso é uma tarefa impossível. O corpo se deteriora, por mais cuidado que tenhamos com ele. É a evolução natural das coisas e eu vejo como uma maluquice essa luta inglória e sem resultado contra os sinais que a passagem dos anos vai marcando na face, no corpo e, principalmente, no funcionamento dos órgãos internos.
Mais do que “manter-se jovem” o que importa, o que vale a pena, é envelhecer bem, feliz, satifeita, tentanto continuar saudável, continuando a ter prazer nas coisas da vida e – para mim o principal – descobrindo prazeres novos, que só estão acessíveis às pessoas velhas. Velhas, sim. Eu insisto no termo. O oposto de “juventude” é “velhice” e não “terceira-idade”. O que deve amedrontar as pessoas não é a palavra “velhice” mas palavras como solidão, pobreza, abandono, dor, impotência, desconforto, perda da autonomia, ingratidão, desprezo. De uma coisa tenho certeza: estou na fase melhor da minha vida e nem por todo o dinheiro do mundo gostaria de ter de volta minha confusa, sofrida e solitária adolescência. É claro que há umas coisas que eu gostaria que fosse de outro jeito agora: mas nenhuma delas tem a ver com a idade.
Tenho um irmão, piadista e engraçado, o meu querido Pedro-Quirino-Meu-Irmão, o rei da “boutade” – que diz o seguinte: “Quando eu completei 37 anos uma pessoa me disse: – Desejo que essa data se reproduza por muitos e muitos anos. Então, continua ele, todo ano eu completo novamente 37 anos…
Não tenho, como muitos, a síndrome do Benjamim Button – refiro-me ao filme como Brad Pitt onde o personagem nasce velho e vai remoçando ate morrer bebê. Mas há pessoas que chegam numa fase da vida e começam a querer regredir, a “tornarem-se jovens outra vez”, submetendo-se a tratamentos e cirurgias, dietas malucas, injeção de todo tipo de substância por baixo da pele e uma desvairada busca pelo prazer – não o prazer da mente calma e satisfeita, mas o prazer de um corpo que parece que, ao longo da vida, não teve muitas chances de se divertir, de satisfazer seus anseios e suas necessidades.
Cada qual com “a dor e a delícia de ser o que é”, como dizia o poeta, mas eu graças a Deus satisfiz meu corpo à vontade na época adequada e hoje posso desfrutar do sossego do “Enfim, só!”, e ler meus livros, ver TV, escrever e sem sentir nenhuma necessidade do eterno replay dos bares de fim-de-semana. Voltando à síndrome de Benjamin Button, ela está largamente disseminada e até parece ter atacado algumas pessoas que conheço. Há três anos – ou seja, em 2006 – sem ser intencional e puramente por acaso, descobri que uma das pessoas do meu círculo de relações tinha 62 anos, em lugar dos 55 ou 56 que ela dizia que tinha. Há algumas semanas, já agora em 2009, soube que a criatura estava completando 59. Qualquer criança de sete anos de idade que sabe somar e subtrair consegue fazer os cálculos e diagnostica a síndrome de Benjamin Button…
Mas eu não tenho nada contra isso não; se a criatura quer dizer que tem 14 anos de idade, o que é que eu tenho com isso? Só penso até quando será possível manter tal farsa, e se não seria mais saudável assumir a idade que tem, porque mentir dá um trabalho danado.
Eu acho bom pertencer a este clube de mais de 60 anos. Outra amiga, que não é portadora da síndrome mas estava um pouco apreeensiva por ter completado sessenta anos, me mandou um email em que dizia: “Fui dormir com 59 anos e acordei com 60”. Depois, mostrava-se um pouco assustada com a realidade da chamada “terceira-idade”, dizendo que a menininha saltitante de cachos nos cabelos ainda existia em algum lugar dentro dela, mas em outros momentos o que aparecia era a sexagenária, não tão saltitante assim.
Eu saudei-a com um sonoro “Bem vinda ao clube!” Bem-vinda, querida, ao clube da meia-entrada em cinemas, museus e assemelhados – em alguns a entrada é gratuita. Bem-vinda ao clube do atendimento preferencial em bancos, super-mercados e outros. Bem-vinda ao clube da hospedagem mais barata em todo o país, numa rede de hotéis conveniados . É um projeto do governo via Ministério do Turismo, para estimular as viagens desta população que tem tempo, dinheiro e ainda tem disposição para bater pernas por aí. Bem-vinda à terceira maior população de idosos do país (a Parahyba, sim senhora!), como ouvi dizer um dia desses. E no Brasil, como um todo, minha amiga, já somos 10% da população. Bem-vinda às muitas vantagens, por exemplo, na hora de uma demanda judicial, e a tratamento preferencial em várias instâncias da vida social. Bem-vinda ao direito de não levar desaforo pra casa, porque quem agride um idoso o discrimina duplamente!
Aconselho a todos, jovens e velhos, a lerem direitinho o estatuto do idoso, que pode ser encontrado na Internet. Reafirmo que é melhor ser a mulher de agora, sábia e experiente, do que a boba menina dos cachinhos. A idade acrescenta experiência, calma, tranqüilidade, satisfação e a possibilidade de desfrutar da vida de uma forma suave e sem pressa que os jovens contraditoriamente não têm, mesmo tendo teoricamente a vida toda diante de si. Digo e repito: é muito melhor ter 60 anos do que ter 56, 57 ou 58, por exemplo.
Mas é preciso ficar atento e não abrir mão de uma alimentação equilibrada, exercício físico, e estar sempre buscando novas e diferentes atividades porque é isso que mantém o cérebro ativo e livre das doenças degenerativas. Eu mesma agora descobri uma diversão legal: o Sodoku, que é aquele joguinho japonês com números.
E este bloguinho, onde todo dia escrevo, mantendo minha mente ágil, ligada numa discussão, numa troca de idéias, nessa saudável atividade mental que, junto com outras brincadeiras, a gente vai inventando por aqui, praticando a felicidade e driblando o Alzheimer.
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Ilustrei este post com árvores, todas elas velhas, firmes, frondosas e belas. Para chegar a isso, precisaram viver bastante tempo. Algumas fotos são minhas, outras foram pescadas por aí na Internet, em ato claro de pirataria, mostrando que mesmo com 61 anos eu ainda continuo disposta a fazer molecagens.
Oi. Meu nome é Rodrigo Navarro.Fiquei sem palavras para expressar…mas fico muito grato pela linda experiência de vida que transparece na sua fala. Com certeza é uma pessoa muito iluminada. Bjs
Clotilde.
Sua forma de pensar coincide com a minha. Mas nunca consegui traduzir como você a necessidade de “envelhecer bem”. Como você, aceito o termo velhice como a última fase da vida, sem sentir-me agredida nem depreciada por ser velha. Estou chegando aos 62, só e feliz. Se seguir a longevidade de minha avó e minha mãe, irei além dos 90, sem inventar nomes ridículos para o que serei.
Que satisfação encontrar uma conterrânea como você! Sou paraibana, saí de João Pessoa há mais de 50 anos, amo o Rio, mas meu coração tem lugar especial para minha terra e sua gente. Já coloquei seu blog em meus Favoritos!Gilda
Parabéns pelo texto.
Eu, que nunca imaginei nem chegar aos 50, agora vislumbro vida aos 60. 🙂 Espero chegar lá com tanta discernimento quanto você.
Marina Maria, uma jovem snehora de 28 anos, rs.
muito bom ler um texto tão-tão, às vezes ‘pérolas aos porcos’. queria já ter feito qualquer comentariozinho, mas somente agora o faço. (uma amiga enviou o endereço desse site há pouco e estou na fase dos primeiros encontros.) envelhecer é muito melhor do que buscar manter-se jovem!, até porque é contra a natureza, gente! que coisa sem nexo achar que “velho” é termo pejorativo, que beleza só se encontra na juventude, que solidão é sofrimento….quem sabe o poder desse “enfim, só” – naquela horinha em que você tomou aquele banho, bota o vinho na taça, bota o cd pra rodar, se refestela bem cheirosa e abre aquele livro plena de alegrâncias…vixe!
Oi
Conheci seus escritos através de minha amiga Regina Cascão (nossa amiga, aliás).
Adoro a maneira leve e especial com que vc relata os fatos e acontecimentos.
Parabéns!
Eu faço parte de um grupo de excolegas do Normal (onde a Rê é considerada a Chefa) que está sempre junto. Nos chamamos de Os Envelhescentes – adolescentes da velhice mas, principalmente, ADOLESCENTES QUE NÃO TEM MEDO DE “PAGAR MICO” – muuuuuuuuuuuuuito bom mesmo.
E respeitamos os arroubos dos aolescentes que vivem lá dentro da gente tanto quanto respeitamos as deficiências e impossibilidades da velhice.
Beijos e parabéns
Luh
Clotilde,
Fiz 67 dia 1º deste maio chuvoso. Fiquei feliz com o que vc escreveu. Estamos envelhecendo sempre, o que é natural, com seus prós e seus contras. Parodiando El Che, diria: “hay que envejecer simpre, pero sin perder la ternura. Jamás.”.
Abraços